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Eduardo Campos (à esquerda) conversa com seu avô, o então deputado
Miguel Arraes, durante reunuão do PSB para a escolha do novo líder do
partido na Câmara - Gustavo Miranda / Agência O Globo/31-01-2013 |
RIO, BRASÍLIA E RECIFE - Eduardo Henrique Accioly Campos criou uma
espécie de república de Pernambuco em torno de si quando montou seu
bunker da campanha presidencial em São Paulo, em abril. Na mudança, o
candidato se manteve próximo da sua equipe de confiança, de sua terra
natal. Parte dos assessores dividia um apartamento no mesmo flat que o
presidenciável. Estavam nesse grupo dois dos assessores que morreram na
queda do avião: Carlos Percol e Pedro Valadares. A mulher, Renata, e o
caçula, Miguel, de 7 meses, moravam com Campos em São Paulo.
Pernambuco
era a raiz geográfica, mas também emocional, cultural e política do
presidenciável. Há 20 dias, Eduardo Campos cancelou os eventos da
campanha para acompanhar os últimos momentos de Ariano Suassuna, tio de
sua mulher, Renata, a quem também chamava de tio. O dramaturgo e
ensaísta era um dos maiores entusiastas do político, e também um
informal amuleto de sorte, dizem os amigos. “Era o político mais
brilhante que conheci na vida”, dissera Ariano ao GLOBO, pouco antes de
sua morte, dia 23 de julho. Era uma relação de intensa amizade, com
contornos familiares, como sustentava Suassuna — amigo de Miguel Arraes,
avô de Eduardo, um dos políticos mais emblemáticos da História
brasileira.
— Foram duas perdas gigantescas muito recentes —
resumiu ontem Germana Suassuna, neta de Ariano, ao lado de Guilherme da
Fonte, um dos melhores amigos de Campos, que não conseguiu dizer palavra
sobre a perda.
Suassuna e Campos (que gostava mesmo era de ser
chamado de Eduardo) se frequentavam diariamente. Foram vizinhos de rua e
de vida. Estava ali, nesse tipo de relação familiar e fraternal, o DNA
da vida política do ex-governador de Pernambuco, que completara 49 anos
no último domingo, Dia dos Pais. A política corria em suas veias desde
menino. E também a Literatura. No recém-lançado e-book “Os candidatos”,
de Maria Cristina Fernandes, da “Companhia das Letras”, Campos cita José
Lins do Rego, Graciliano Ramos e Euclides da Cunha. Quando leu “Veias
Abertas da América Latina”, de Eduardo Galeano, descobriu “Era aquilo (a
política) que eu queria”.
Campos chegou a ela como todo jovem engajado, pelo movimento estudantil.
—
Fazíamos o que chamávamos de “pente-fino”, (uma espécie de corpo a
corpo), indo ao interior de Pernambuco, fazer campanha para o PMDB
jovem. Nos encontrávamos sempre para tomar chope. Éramos um grupo.
Lembro sempre que o Eduardo era o xodó do Arraes — conta o prefeito de
Teresina, Firmino Filho (PSDB), seu colega no curso de Economia, da
Universidade Federal de Pernambuco, de quem Campos era padrinho de
casamento; mantinham a amizade, a despeito das trincheiras políticas
distintas:
— Ficou claro que ele tentou entrar no espaço pós-polarização PT-PSDB.
"VÁ PARA GANHAR", DISSE A MÃE
Firmino
fora convidado junto com Campos para uma pós-graduação em Economia nos
Estados Unidos. Aos 19 anos, o jovem neto de Arraes optou por fazer
campanha para o avô ao governo de Pernambuco. Com a vitória, passou a
chefe de gabinete.
O secretário-geral do PSB, Carlos Siqueira,
conheceu Campos em 1979, quando Miguel Arraes voltava do exílio. Os dois
eram estudantes.
— Era 1979. Fui esperar Miguel Arraes na porta
do avião na volta do exílio. Naquele momento meu interesse era conhecer o
avô, mas ali foi o começo de uma grande amizade com Eduardo — disse
Siqueira, atordoado e chorando muito com a perda do amigo.
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Eduardo Campos e sua mulher, Renata de Andrade Lima Campos
- Mauro Filho/3-1-2014 |
Apesar de não trazer o sobrenome, Eduardo Campos colou no avô bem
cedo. Entrou na faculdade aos 16 anos e, já na primeira campanha, para
derrubar o antigo Diretório Acadêmico, contou com a ajuda da mãe, a
ministra do Tribunal de Contas da União, Ana Arraes, que no dia da
eleição lhe deu um conselho que repetiu em todas as disputas que o filho
entrou:
— Vá para ganhar!
Os laços com a família eram
vigorosos. Sua mulher, Renata, foi sua primeira namorada, desde que ela
tinha 13 anos, há 34. Discreta, ela é também economista e auditora do
Tribunal de Contas do Estado, mãe de seus cinco filhos. Sempre à margem
dos holofotes, atuando nos bastidores, a discrição não impedia a
economista de participar das decisões políticas do marido. Era apontada
por aliados como a pessoa mais influente na carreira política de Campos.
O presidenciável tinha uma devoção pelos filhos Maria Eduarda, João
Henrique, Pedro Henrique, José Henrique e o temporão Miguel, de sete
meses. Sempre que podia frequentava shows com a família inteira e
tratava Renata como sua “eterna” namorada. Desde que Miguel nasceu e a
campanha apertou, ela e o caçula passaram a integrar sua comitiva nas
viagens pelo país.
— Renata sempre foi a paixão da vida dele. Era um relacionamento muito bonito — diz Firmino Filho.
Na
rotinha, dormia cerca de quatro horas por noite. Considerava o pior
momento de seu governo em Pernambuco a enchente de 2010, que deixou 83
mil desabrigados.
Nascido em Recife, Campos é filho da deputada
Ana Arraes e do escritor Maximiano Campos. Na Federal de Pernambuco,
presidiu o diretório acadêmico, desde 1985. Em 1990, já estava filiado
ao Partido Socialista Brasileiro (PSB), partido ao qual se manteve fiel
ao longo de toda a vida.
Em 1994, chegou ao Congresso Nacional,
para onde foi eleito com 133 mil votos, Em 1998, foi o deputado mais
votado de Pernambuco, com 173.657 votos. Foi amigo bem próximo do
ex-presidente Lula. Chegou a dizer, nesta campanha eleitoral, que não
conseguiria criticar o amigo.
Em 1994, no novo governo de Arraes,
Campos assumiu o cargo mais importante do governo, o de secretário da
Fazenda. Foi quando protagonizou o escândalo dos precatórios. Uma CPI no
Congresso Nacional resultou numa denúncia do Ministério Público Federal
para apurar sua responsabilidade na acusação de emitir fraudulentamente
títulos públicos de Pernambuco para pagar precatórios pendentes.
Houve
uma completa desconstrução de sua imagem e da do então governador
Arraes. A reabilitação na eleição de 1998, da qual muitos duvidavam,
virou um “case” eleitoral: ele se elegeu deputado federal e virou líder
do PSB na Câmara.
AMIZADE E POLÍTICA
Na
eleição de 2002, uma ala do PSB apoiou o peemedebista Anthony Garotinho
para a eleição presidencial, mas Eduardo Campos aproximou o partido de
Lula, foi seu ministro da Ciência e Tecnologia e em 2006, com seu apoio,
elegeu-se governador. Outro grande trunfo na época foi o arquivamento
do processo dos precatórios pelo STF, inocentando Campos e Arraes. A
absolvição derrubou a única agenda negativa que os adversários na
disputa tinham contra ele. E consolidou uma parceria com o PT que
persistiu até o rompimento no ano passado. Mas mesmo com sua
candidatura, das pesadas críticas ao governo Dilma Rousseff preservava
Lula, com esperança de ter o voto lulista anti-Dilma num eventual
segundo turno.
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Eduardo Campos (ao centro) participa de reunião com Miguel Arraes e o então ministro da Casa Civil, José Dirceu - Roberto Stuckert Filho/01-04-2013 / . |
Foi uma aliança de 11 anos com o petista. A crise com o aliado
começou em setembro do ano passado, quando o PT deixou seu governo, em
Pernambuco. As críticas na pré-campanha e nesse início de batalha
eleitoral que Campos começou a travar, sempre foram contra Dilma e
contra o governo petista. Lula ficou triste com o rompimento com o
amigo.
Os ex-aliados petistas não perdoaram Campos quando ele
resolveu romper a aliança com o governo Dilma e entregar os cargos em
setembro do ano passado, consolidando-se como um adversário que colocava
em risco a manutenção do projeto de poder do PT. Passaram a chamá-lo de
“traíra”, alegando que foi a parceria com Lula que lhe permitiu mudar a
economia do estado, transformando-o num canteiro de obras.
Lula lhe
ofereceu o posto de vice de Dilma em 2014, com promessa de se candidatar
a sua sucessão daqui a quatro anos. Mas ele não confiava na promessa.
Foi eleito o melhor governador do Brasil por dois anos seguidos. Com a
morte do avô Miguel Arraes, em 2005, passou a comandar o PSB com pulso
de ferro.
Campos era, talvez pelo temperamento afável, também
amigo de todas as horas de seu outro adversário pontual, o candidato do
PSDB à Presidência, Aécio Neves.
AS ARESTAS COM MARINA, SUA VICE
Com
uma vida financeira confortável, rejeitava a comparação com os coronéis
nordestinos, que sempre dominaram a política na região. Seu patrimônio
declarado à Justiça Eleitoral foi de R$ 547 mil.
No caminho que
sonhava trilhar até o Palácio do Planalto, Campos esbarrou, no dia 5 de
outubro passado, com sua parceira de chapa. Recebeu um telefonema
inesperado de Marina Silva, na madrugada em que o Tribunal Superior
Eleitoral (TSE) negou o pedido de registro da Rede Sustentabilidade.
Nascia uma chapa desde o início polêmica. A ex-ministra, adversária
ferrenha do agronegócio, tinha arestas mal aparadas com Campos. Havia
desacordos nos estados, como em São Paulo: o PSB decidira apoiar a
reeleição do governador tucano Geraldo Alckmin, e será o vice na chapa
tucana. Mas o entendimento era uma busca permanente entre eles, a
despeito de uma forte resistência na base de Marina Silva à maneira como
o PSB conduziu a estratégia política pelo país. Tornar-se uma figura
nacional era o desafio do candidato. Viajou pelo país, no ano passado,
para criar essa capilaridade.
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Marina Silva e Eduardo Campos participam da Convenção Nacional do PSB, evento que oficializou a candidatura da chapa - Jorge William / Agência O Globo/27-06-2014 |
Ao final de uma reunião que terminou às 4h30m da madrugada daquele
sábado, com muito choro, a ex-senadora comunicara a seus seguidores que
seu sonho de ser presidente da República teria que ser adiado, e que seu
projeto, agora, era acabar com a hegemonia e o “chavismo” do PT no
governo. Acusada pelo deputado Alfredo Sirkis de ter um processo de
decisão “caótico”, Marina chegou à reunião dizendo que tinha tomado uma
decisão sem volta: seria candidata a vice na chapa presidencial de
Eduardo Campos, e sua posição era inegociável. Em uma ligação que levou
euforia a campanha e deixou Campos mudo, ela comunicou:
— Eduardo, você está preparado para ser presidente do Brasil? Eu vou ser sua vice e estou indo para o PSB .
Teria dois minutos no programa de TV, contra 12 de Dilma e seis de Aécio.
O
peso da dificuldade de conduzir as articulações sem ferir as
suscetibilidades de Marina era percebido no semblante mais carregado de
Eduardo nos últimos tempos. Mas ele fazia um esforço sobre-humano para
evitar que as divergências e irritação de aliados com o bombardeio por
ela das alianças inviabilizasse o casamento.
No trato cotidiano,
lembram os amigos, era afável e bom contador de histórias. Arrastava o
sotaque pernambucano e era um dos melhores imitadores de Lula.
Reservadamente, com jeito gaiato, afinava a voz e assumia os trejeitos
para imitar Marina Silva.
— Eu dizia pra ele: olha, se não der
pra continuar na política, explora esse talento, o de contador de
histórias — lembra, com tristeza, Firmino Filho.
Os adversários
pontuavam incoerências no discurso da “nova política”, usado como mantra
por Campos. A despeito de defender modelos novos, teve em seu entorno,
em seu governo, nomes como Inocêncio Oliveira e Severino Cavalcanti.
As denúncias de nepotismo sempre foram um problema para o então
candidato socialista. Em seu governo, antes de ter a imagem arranhada na
cena política nacional pela campanha que fez para eleger a mãe como
ministra do Tribunal de Contas da União, ele já tinha respondido pela
presença de parentes no Tribunal de Contas do Estado (TCE).
Seis dos cinco integrantes do núcleo central de coordenação da campanha tinham raízes em Pernambuco.
“Vamos
moer (trabalhar com afinco). Vamos simbora.” Era assim que Campos
sempre se despedia do publicitário Edson Barbosa. Não foi diferente
anteontem, depois de um longo telefonema para o briefing do que poderia
ser questionado durante o “Jornal Nacional”, da Rede Globo. Barbosa fez
as campanhas de Campos ao governo de Pernambuco e assinou a pré-campanha
do socialista à Presidência. Muito emocionado, o publicitário disse que
a frase de Campos que ficará em sua memória foi uma repetida ainda
anteontem:
— Nós não vamos desistir do Brasil — ele dizia. (Colaborou Tatiana Farah)
Fonte: O Globo
por Maiá Menezes, Maria Lima e Sérgio Roxo
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