segunda-feira, 6 de agosto de 2012

EXPOSIÇÃO EM HOMENAGEM A FREI DAMIÃO EMOCIONA SERTANEJOS

ESTA REPORTAGEM FOI PUBLICADA NO JORNAL DO COMÉRCIO DIA 3 DE JANEIRO DE 1999. EXPOSIÇÃO FOTOGRÁFICA SOBRE FREI DAMIÃO: "RUMO À BEATIFICAÇÃO"

Por CLÁUDIA PARENTE
Correspondente




SERRITA - Os devotos de frei Damião deste município e das demais cidades do Sertão estão tendo a oportunidade de se sentirem mais próximas do frade capuchinho mais famoso do Nordeste, falecido há quase dois anos. A exposição "Rumo a beatificação", que teve início no último dia 13, na Rua Floriano Peixoto, no centro da cidade, narra através de fotografias antigas e de objetos de uso pessoal a trajetória do religioso para os fiéis que não tiveram a oportunidade de conhecê-lo pessoalmente e nem têm condições de visitar o convento de São Félix, no Recife, onde estão os seus restos mortais.

"A última vez que frei Damião esteve aqui foi em 1942. Eu não tive a oportunidade de conhecê-lo pessoalmente, mas me sensibilizei muito com a sua morte e sabia da impossibilidade das pessoas daqui, que sempre o amaram, de se deslocarem até o Recife para reverenciá-lo", conta a relações públicas Fátima Canejo, ao explicar por que resolveu promover o evento. Fátima, que passou 20 anos longe de sua terra natal, revelou que o projeto inicial era trazer o frade para rezar a Missa do Vaqueiro. "Não deu certo porque o convite foi feito em 1995, quando ele já estava muito doente".
 Frustrada a tentativa de ter o capuchinho, em pessoa, outra vez na cidade, restou a opção de cultuar sua memória. Entre os objetos colocados em exposição - todos doados, inclusive com peças do Convento de São Félix - uma estátua do frade, feita de cerâmica em tamanho natural, ofertada pela Fundarpe, deve ocupar um lugar definitivo na cidade. É que a relações públicas pretende transformar Serrita em ponto de romaria de Frei Damião para populações de localidades vizinhas.
"Será um lugar onde as pessoas poderão pagar suas promessas sem ter que ir a Juazeiro do Norte, por exemplo", adianta. Ela informou que já dispõe de um terreno para construir o espaço, que recebeu como doação de Rogério Canejo "Agora falta conseguir o material necessário para erguer o prédio. É nesse lugar onde ficará a estátua, em companhia de outros pertences de capuchinho."

PÚBLICO - A romaria, entretanto, parece já ter começado. Até o início da segunda semana de exposição, mais de duas mil pessoas já tinham visitado o local. Como se realmente estivessem diante do frade que consideram santo, os fiéis se enternecem com as fotografias antigas que mostram a trajetória das missões, abraçam-se com a sua estátua, se ajoelham, beijam uma foto em tamanho natural e reverenciam a vestimenta que frei Damião usou nos seus 50 anos de sacerdócio. "Acho que estou no céu", disse extasiada a agricultora Loreta Gomes Soares, 70, que veio de Salgueiro para vender verduras na feira de Serrita. "Essa é a coisa mais bonita que já vi desde que nasci", afirmou.

O aposentado José Pereira Lopes Lacerda, 83, se ajoelhou e chorou diante das peças em exposição. Questionado sobre o sifnificado de Frei Damião na sua vida, emocionado ele não conseguiu falar. Após passar vários minutos em silêncio, ele acabou expressando a mesma preocupação da Igreja Católica - que teme que a veneração excessiva do frade atrapalhe o seu processo de beatificação, que oficialmente só pode começar cinco anos após sua morte.

Segundo Fátima Canejo, a exposição estava programada iniciar em 31 de maio passado, dia da coroação de Maria, conforme a tradição católica. "Queríamos fazer uma missa para frei Damião e realizar a exposição de fotografias na Igreja, mas o padre não permitiu", relatou, numa referência ao então pároco da cidade, Lino della Morte. "Ele disse que em Serrita já tinha festas demais". Procurado para falar sobre o assunto, o religioso, hoje vigário da paróquia de Cedro, disse que não tomou conhecimento da exposição.
"No programa enviado para nós, ela (Fátima) se propunha a organizar a coroação, que é tradicionalmente feita pela comunidade", argumentou. Para ele, fazer uma exposição em memória do capuchinho naquela época seria impróprio por causa da data, destinada a Maria, e pela proximidade com as eleições.

Devota batizou filha em gratidão ao religioso
Entre os objetos da mostra, o que causa maior estranheza é um pote com água mineral que, segundo Fátima Canejo, foi benta pelo superior do Convento de São Félix, o frei Dimas. Colocado em um dos cantos da sala, o objeto atrai um grande número de pessoas que desejam ser curadas de diversas enfermidades. Como Jacinta Maria dos Santos, 60 anos, que trouxe uma garrafa descartável para levar a água benta para casa. "Essa água serve para tudo no mundo. Cura qualquer mal", exagera. A devota lembra que, na última passagem de frei Damião por Cedro, onde morava, saía de casa às 4h para acompanhá-lo nas caminhadas que duravam até a noite. A fé no missionário é tanta que Jacinta batizou a filha mais nova com o nome de Damiana. "Para mim, ele é um santo".

O atual pároco de Serrita, Gaetano Chinaglia, foi à exposição, abençoou os fiéis, mas não deixou de concordar com o padre Lino. "A festa de maio é só para Maria. Acho que não se deve fazer veneração em torno de frei Damião porque atrapalha o processo de beatificação", opina.

Em visita à cidade de Serrita, onde veio administrar crismas, o bispo de Petrolina, dom Paulo Cardoso, aproveitou para visitar a exposição em homenagem ao missionário de quem foi companheiro em diversas ocasiões. Apesar de elogiar a iniciativa - que considerou adequada para honrar a memória "de quem sempre esteve vivo no coração do povo" - ele alertou para os riscos da homenagem se transformar em veneração pública de frei Damião. 

"Pessoas mais simples e menos esclarecidas se sentem tentadas a transformar um evento como este em culto religioso, se forem estimuladas", ressaltou, ao apontar o pote com água benta como exemplo de excessos que devem ser evitados. "Não podemos nos antecipar ao pronunciamento oficial da Igreja", continuou dom Paulo Cardoso. Ele informou que a Igreja Católica está começando a fazer uma discreta coleta de dados que possam ajudar no processo de beatificação do frade.

Apesar da admiração que demonstra por frei Damião e que considera "um homem totalmente de Deus", dom Paulo Cardoso confessou que alguns detalhes da vida de pregações do capuchinho podem dificultar o processo 1Vaticano, como por exemplo o fato do missionário ter posado ao lado de políticos em época de eleições. "Ele foi muito manipulado. Esse é o único ponto negativo que eu vejo dentro do processo e que pode atrapalhar sua beatificação", revelou. Ele recordou a ocasião em que o capuchinho foi fotografado ao lado do então candidato à presidência da República, Fernando Collor de Mello.

Mesmo com as ressalvas da Igreja, Fátima Canejo está disposta a levar adiante o projeto de construir um local para romarias no município. Ela está satisfeita com os resultados da exposição, onde já foram distribuídas seis mil cópias de orações pedindo a beatificação de Frei Damião, além de folhetos de literatura de cordel e pôsteres do frade capuchinho. Durante a realização de uma noite de vigília, semana passada, muitas pessoas amanheceram no local.
"Foi como reviver a época das missões", exultou a relações públicas. Com fogos, cânticos, preces e lágrimas, mutios fiéis aproveitaram a ocasião para depositar numa urna os votos por graças alcançadas, que serão levados ao Convento de São Félix para fazer parte do material que será enviado ao Vaticano em favor da beatificação do missionário italiano mais nordestino do país.






  

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