ESTA REPORTAGEM FOI PUBLICADA NO JORNAL DO COMÉRCIO DIA 3 DE JANEIRO DE 1999. EXPOSIÇÃO FOTOGRÁFICA SOBRE FREI DAMIÃO: "RUMO À BEATIFICAÇÃO"
Por CLÁUDIA PARENTE
Correspondente
SERRITA -
Os devotos de frei Damião deste
município e das demais cidades
do Sertão estão
tendo a oportunidade de se
sentirem mais próximas do frade
capuchinho mais famoso do
Nordeste, falecido há quase dois
anos. A exposição "Rumo a
beatificação", que teve
início no último dia 13, na Rua
Floriano Peixoto, no centro da
cidade, narra através de
fotografias antigas e de objetos
de uso pessoal a trajetória do
religioso para os fiéis que não
tiveram a oportunidade de
conhecê-lo pessoalmente e nem
têm condições de visitar o
convento de São Félix, no
Recife, onde estão os seus
restos mortais.
"A última
vez que frei Damião esteve aqui
foi em 1942. Eu não tive a
oportunidade de conhecê-lo
pessoalmente, mas me sensibilizei
muito com a sua morte e sabia da
impossibilidade das pessoas
daqui, que sempre o amaram, de se
deslocarem até o Recife para
reverenciá-lo", conta a
relações públicas Fátima
Canejo, ao explicar por que
resolveu promover o evento.
Fátima, que passou 20 anos longe
de sua terra natal, revelou que o
projeto inicial era trazer o
frade para rezar a Missa do
Vaqueiro. "Não deu certo
porque o convite foi feito em
1995, quando ele já estava muito
doente".
Frustrada a
tentativa de ter o capuchinho, em
pessoa, outra vez na cidade,
restou a opção de cultuar sua
memória. Entre os objetos
colocados em exposição - todos
doados, inclusive com peças do
Convento de São Félix - uma
estátua do frade, feita de
cerâmica em tamanho natural,
ofertada pela Fundarpe, deve
ocupar um lugar definitivo na
cidade. É que a relações
públicas pretende transformar
Serrita em ponto de romaria de
Frei Damião para populações de
localidades vizinhas.
"Será um
lugar onde as pessoas poderão
pagar suas promessas sem ter que
ir a Juazeiro do Norte, por
exemplo", adianta. Ela
informou que já dispõe de um
terreno para construir o espaço,
que recebeu como doação de Rogério Canejo
"Agora falta conseguir o
material necessário para erguer
o prédio. É nesse lugar onde
ficará a estátua, em companhia
de outros pertences de
capuchinho."
PÚBLICO -
A romaria, entretanto, parece já
ter começado. Até o início da
segunda semana de exposição,
mais de duas mil pessoas já
tinham visitado o local. Como se
realmente estivessem diante do
frade que consideram santo, os
fiéis se enternecem com as
fotografias antigas que mostram a
trajetória das missões,
abraçam-se com a sua estátua,
se ajoelham, beijam uma foto em
tamanho natural e reverenciam a
vestimenta que frei Damião usou
nos seus 50 anos de sacerdócio.
"Acho que estou no
céu", disse extasiada a
agricultora Loreta Gomes Soares,
70, que veio de Salgueiro para
vender verduras na feira de
Serrita. "Essa é a coisa
mais bonita que já vi desde que
nasci", afirmou.
O aposentado
José Pereira Lopes Lacerda, 83,
se ajoelhou e chorou diante das
peças em exposição.
Questionado sobre o sifnificado
de Frei Damião na sua vida,
emocionado ele não conseguiu
falar. Após passar vários
minutos em silêncio, ele acabou
expressando a mesma preocupação
da Igreja Católica - que teme
que a veneração excessiva do
frade atrapalhe o seu processo de
beatificação, que oficialmente
só pode começar cinco anos
após sua morte.
Segundo Fátima
Canejo, a exposição estava
programada iniciar em 31 de maio
passado, dia da coroação de
Maria, conforme a tradição
católica. "Queríamos fazer
uma missa para frei Damião e
realizar a exposição de
fotografias na Igreja, mas o
padre não permitiu",
relatou, numa referência ao
então pároco da cidade, Lino
della Morte. "Ele disse que
em Serrita já tinha festas
demais". Procurado para
falar sobre o assunto, o
religioso, hoje vigário da
paróquia de Cedro, disse que
não tomou conhecimento da
exposição.
"No
programa enviado para nós, ela
(Fátima) se propunha a organizar
a coroação, que é
tradicionalmente feita pela
comunidade", argumentou.
Para ele, fazer uma exposição
em memória do capuchinho naquela
época seria impróprio por causa
da data, destinada a Maria, e
pela proximidade com as
eleições.
Devota
batizou filha em gratidão ao
religioso
Entre os objetos da
mostra, o que causa maior
estranheza é um pote com água
mineral que, segundo Fátima
Canejo, foi benta pelo superior
do Convento de São Félix, o
frei Dimas. Colocado em um dos
cantos da sala, o objeto atrai um
grande número de pessoas que
desejam ser curadas de diversas
enfermidades. Como Jacinta Maria
dos Santos, 60 anos, que trouxe
uma garrafa descartável para
levar a água benta para casa.
"Essa água serve para tudo
no mundo. Cura qualquer
mal", exagera. A devota
lembra que, na última passagem
de frei Damião por Cedro, onde
morava, saía de casa às 4h para
acompanhá-lo nas caminhadas que
duravam até a noite. A fé no
missionário é tanta que Jacinta
batizou a filha mais nova com o
nome de Damiana. "Para mim,
ele é um santo".
O atual pároco
de Serrita, Gaetano Chinaglia,
foi à exposição, abençoou os
fiéis, mas não deixou de
concordar com o padre Lino.
"A festa de maio é só para
Maria. Acho que não se deve
fazer veneração em torno de
frei Damião porque atrapalha o
processo de beatificação",
opina.
Em visita à cidade de
Serrita, onde veio administrar
crismas, o bispo de Petrolina,
dom Paulo Cardoso, aproveitou
para visitar a exposição em
homenagem ao missionário de quem
foi companheiro em diversas
ocasiões. Apesar de elogiar a
iniciativa - que considerou
adequada para honrar a memória
"de quem sempre esteve vivo
no coração do povo" - ele
alertou para os riscos da
homenagem se transformar em
veneração pública de frei
Damião.
"Pessoas
mais simples e menos esclarecidas
se sentem tentadas a transformar
um evento como este em culto
religioso, se forem
estimuladas", ressaltou, ao
apontar o pote com água benta
como exemplo de excessos que
devem ser evitados. "Não
podemos nos antecipar ao
pronunciamento oficial da
Igreja", continuou dom Paulo
Cardoso. Ele informou que a
Igreja Católica está começando
a fazer uma discreta coleta de
dados que possam ajudar no
processo de beatificação do
frade.
Apesar da
admiração que demonstra por
frei Damião e que considera
"um homem totalmente de
Deus", dom Paulo Cardoso
confessou que alguns detalhes da
vida de pregações do capuchinho
podem dificultar o processo 1Vaticano, como por
exemplo o fato do missionário
ter posado ao lado de políticos
em época de eleições.
"Ele foi muito manipulado.
Esse é o único ponto negativo
que eu vejo dentro do processo e
que pode atrapalhar sua
beatificação", revelou.
Ele recordou a ocasião em que o
capuchinho foi fotografado ao
lado do então candidato à
presidência da República,
Fernando Collor de Mello.
Mesmo com as
ressalvas da Igreja, Fátima
Canejo está disposta a levar
adiante o projeto de construir um
local para romarias no
município. Ela está satisfeita
com os resultados da exposição,
onde já foram distribuídas seis
mil cópias de orações pedindo
a beatificação de Frei Damião,
além de folhetos de literatura
de cordel e pôsteres do frade
capuchinho. Durante a
realização de uma noite de
vigília, semana passada, muitas
pessoas amanheceram no local.
"Foi como
reviver a época das
missões", exultou a
relações públicas. Com fogos,
cânticos, preces e lágrimas,
mutios fiéis aproveitaram a
ocasião para depositar numa urna
os votos por graças alcançadas,
que serão levados ao Convento de
São Félix para fazer parte do
material que será enviado ao
Vaticano em favor da
beatificação do missionário
italiano mais nordestino do
país.