Até
que ponto devemos olhar para trás ao curso da penosa caminhada que é a
existência humana? Sem estas pausas de reflexiva e profunda contemplação é
certo que não seríamos capazes de avaliar se estamos ou não realmente no
caminho certo. Quantas dúvidas nos trazem as experiências diárias, mas também
quantas certezas. Se olharmos bem, a vida possui mais erros que acertos, mas
dificuldades e misérias que beleza, mas desencontros que regozijos. Ainda
assim, é importante olhar para trás, porque é esta mirada, se reflexiva a
contento, que indicará valiosas lições. Ao menos assim saberemos o que não
fazer. Mas também há de nos revelar boas ações, pois por mais corrupto que seja
o nosso praticar, ainda assim haverá uma centelha divina a nos habitar, mesmo
que seja no mais profundo e escondido recôndito do nosso coração. Algo de bom
também necessariamente haverá de ter sido praticado ao curso da jornada. Olhar
para trás, portanto, é mote de imprescindível meditação; de valiosos
ensinamentos.
Mas
olhar para trás não é trazer para o presente o que deve estar bem guardado no
espectro do passado. São as lições do pretérito que devemos garimpar, não o que
se deu propriamente, seja o bom, seja o ruim. O que causou dor deverá
permanecer encoberto pelo sábio manto do tempo, para que as feridas não se
reabram e inaugurem desnecessariamente dolorosa sangria, pois não há mais o que
se aprender do que não é mais. O que proporcionou prazer também não poderá ser
remoçado, pois é certa a provisoriedade de todos os momentos. A contemplação do
que passou serve na verdade para alimentar o futuro, como um mestre veemente
que nos ensina a mágica fórmula de como construir a sabedoria, harmonia e paz
interior mesmo diante da caótica e eterna mutação da matéria; de como ser feliz
ainda que diante do mundo de expiações e sofrimentos em que vivemos; de como
transformar a dor em poesia, o sofrimento em vontade de vencer. O futuro sim é
um livro aberto, por ser escrito, onde tudo poderemos ser e tudo seremos
capazes de construir. O passado, logo o que está dentro de nós mesmos, é o mais
sábio de todos os mestres. É nele, neste pecaminoso passado que nos habita,
onde seremos capazes de encontrar o caminho mais luminoso que possa existir.
E
se repararmos bem, cutucando estes velhos e tantas vezes esquecidos escombros
do que já fomos, do que pensamos, do que quisemos ser e nunca o fomos, por mais
distintas que tenham sido, como de fato são, as vidas uns dos outros,
necessariamente haveremos de chegar a uma verdade comum, a de que todas as
coisas que nos habitam são indeléveis ilusões, que nos aprisionam, enganam, nos
desviam do caminho da sabedoria, nos impingem preconceitos, mas também
indizíveis sofrimentos. Nada delas, enfim, nos revelam o que somos o que queremos
e no que deveremos nos transformar com a experiência da vida. De tudo isso, que
se olharmos bem repararemos que não é nada, somente poderemos descobrir uma
única e irrenunciável coisa que por sua pujante força é capaz das mais
imprevisíveis mutações; de tudo perdoar e transformar. De todas as coisas que
fomos ou poderemos vir a ser, só o amor é real. Este sim, o único capaz de
descortinar a harmonia por detrás do nefasto caos que nos rodeia.
Jorge Emicles
Pinheiro Paes Barreto
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