quarta-feira, 9 de outubro de 2013

CHICO ROMÃO, O ÚLTIMO DOS GRANDES CORONÉIS




EM SERRITA ELE ERA O GRÃO-SENHOR DE TUDO E DE TODOS

A fase do “CORONELISMO” na vida nordestina chega ao fim: esboroou-se à investida das estradas, dos jornais, do rádio e, ultimamente, da televisão. O voto secreto caracterizou o princípio da derrocada. Mas, os “coronéis” deixaram a sua marca inconfundível na paisagem político-social no Nordeste – através de um longo patriarcalismo tão áspero como doce –, pois, enquanto castigava e exigia, também favorecia, ajudava e até acumpliciava. Eram chefes de “clãs” que transcendiam os limites dos laços de sangue até às próprias fronteiras dos municípios, arrebanhando fidelidades na base do temor, da amizade ou do interesse. Tudo isso se traduzia na aritmética eleitoral – pois o “coronel” sempre governou com os favores dos governos estaduais, raramente se rebelando. O preço de sangue foi sempre alto, e a vida, sempre perigosa. Há dias em Pernambuco, morreu a bala, CHICO ROMÃO, o último dos grandes coronéis nordestinos. Outros deixaram à política. Mas, altivo, continua a tradição o “Coronel” Chico Heráclio, atuante, alegre, perspicaz. Nesta reportagem Marcus Vinícius Vilaça antecipa um estudo em preparo para o Instituto Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociais do Recife.

Coronel Chico Heráclio conversando com seu eleitor


O BRECHAMENTO do interior pernambucano pela estrada pavimentada, rádio, caminhão, energia de Paulo Afonso, ginásio, crédito rural, está matando os “coronéis”, ainda que um deles diga:

“Prestigio de Coronel é como grama, quanto mais se corta, mais nasce”.

Nesta fase crepuscular dos “coronéis”, o autor da reportagem está trabalhando em livro – donde tira alguns “flashs” de antecipação para “O CRUZEIRO” – visando a lhes fixar as figuras principais como o velho Chico Heráclio, talvez dos mais expressivos tipos de dominador de vontades, vivendo a apenas oitenta quilômetros do Recife e numa cidade importante do Estado. É a maior resistência coronelística ao populismo, à verdade eleitoral, à independência política, à pressão de comerciantes e industriais do novorriquismo sedento de poder eleitoral. Resistência em tudo. Seu tempo social é outro. Não tem rádio em casa. Nem refrigerador. Nem telefone. Mas como os antigos senhores de engenho, orgulhosos do cavalo, considerado como elemento de mensuração de bens e prestígio, manda comprar um Chevrolet Impala, modelo 1965, dizendo para o neto que faz a transação e habituado à compra de carros americanos:
“Só quero se vier encaixotado, carro é como mulher, só presta virgem”.

De virgens, tantas já ex-virgens, vive a sua casa cheia, em forma suavizada de harém, às vezes com três ou quatro, todas levadas, menos, é claro, pelos seus quase oitenta anos do que pelas possibilidades financeiras que são enormes. Só uma propriedade, carié, no sertão brabo de Pernambuco, tem 52.000 ha. Afora as outras onze. Das cabeças de gado, nem se fala. São tantas quanto outrora somavam a dos eleitores.

Houve época em que foi da dominação ao poder, isso principalmente no governo de Agamenon Magalhães. Nada se fez na região sem a sua anuência ou pelo menos audiência. Foi tamanha a força também antes, que tentou ditar normas ao Governador Barbosa Lima Sobrinho, obrigando-o a lhe repelir insinuações, em frase logo tornada célebre:

“Não será do Coronel Chico Heráclio que eu tenha de receber lição de ética política”.


Nesse tempo chegou, inclusive, a nomear professor catedrático, aliás, nome ilustre, para escola hoje fazendo parte da Universidade de Recife.
Carrega consigo característica muito da família: não hierarquiza. Tanto faz um doutor como um “cabra”. Seu grupamento político não tem seleções nem altezas, por isso arrosta com a oposição sistemática da população mais esclarecida da cidade. Basta seu eleitorado nos distritos, agora se emancipando, com o que terá fatalmente destroçada a sua invencibilidade em Limoeiro, um município de cem mil habitantes e com perto de vinte mil eleitores.

Do jeito que não escolhe amigos, age com o vocabulário. A incontinência verbal é completa. E não há caso de terras, herança, briga entre marido e mulher, defloramento que, chegando para soluções, não seja rasgadamente narrado na frente de todos, sob o bombardeio impenitente de suas perguntas sutis e maliciosas, às vezes vai mais longe:
Exige que gestos e posições sejam repetidos, no enriquecimento das descrições.

Em proclamações dirigidas aos correligionários, do que muito se utiliza, criando mesmo no meio um apelo desmedido a tal forma de proselitismo e aliciamento, não tem sido menor o tom desabotoado das palavras e conceitos. Da boa medida disso um seu boletim de após eleição municipal, onde desanca opositores políticos, inapelavelmente transformados em inimigos pessoais:

“Qual foi o mal que fiz ao meu compadre R... A... que deflorou uma cunhada tendo ela dado à luz no Sítio Bananeiras e que chegando em minha casa com uma criança nos braços, tive que ampara-la e também esconder o referido R ...para não ser assassinado. Qual foi a recompensa? Ficar contra mim. Quem é o safado? Cada um que julgue”.

Tais atitudes têm sofrido fortes repulsa de muitos, bem assim o amparo (já foi mais amplo) que dá vez em quando, a criminosos. Nunca a ladrões. E Chico Heráclio distingue criminoso de assassino:
“Assassino mata para roubar ou por perversidade, enquanto criminoso é o que lava a honra sua ou da família”.
Mas a grande especialidade de Chico é a política. Depois dela é que vem o negócio de terras, de que se contam cousas pitorescas. Muito hábil comprando propriedades por quadros, só as vende por hectares. Em cada cem quadros há cento e vinte hectares... E justifica:

“Se eu não fizesse assim, menino estava dando bom dia a tôco e fazendo careta a cego”.

Amigo dedicado – não encontrando limites para servir, tantas ocasiões valendo-se da coragem pessoal incontrastável – sabe ser o inimigo hermético, sem suavidades. A sua força política (tem um filho, Heráclito Moraes do Rêgo – deputado federal pela terceira vez e um – Francisco de Moraes Heráclio, Francisquinho – estadual na quarta legislatura), ainda hoje ponderável, tem sido dada, vale dizer mais por qualidades – de liderança e astúcia, sobretudo – do que pelos defeitos – de coação e atemorização – e só a presença de novas conotações civilizadoras na vida comunitária, a que não se adaptou, o tem passado para trás, numa ação inevitável.


Revista O Cruzeiro de 25 de julho de 1964
Já CHICO ROMÃO morreu sem acusar a menor quebra no seu soberano mandonismo, mesmo porque SERRITA, um pequenino município – fazenda em fim de caminho sertanejo, ainda não recebeu nada de sopro moderno. Não assiste a nenhum trânsito e é uma cidade intransitiva ao lado de ser uma cidadela.

Isolada fechada ao “coronel” e à sua família bem dizer a única de lá, como um só – o clá Sampaio – é o dono de tudo: casas, vontades, minúsculo comércio, agricultura de feijão e algumas várzeas de arroz.


O “CORONEL” Chico Romão conservava costumes patriarcais, reunindo toda a família ao redor da grande mesa de refeição de sua casa em Serrita. 

Só o Crime de Apipucos (perto do solar de Gilberto Freyre, no Recife), quando foi assassinado o odontolando Esdras Lucena, com acusação geral ao “Coronel” Chico e posterior absolvição em júri memorável, tornou personalidade extra-sertão. O aparato desmesurado para capturá-lo, que armou o Coronel Roberto de Pessoa, Secretário de Segurança do Governador Agamenon, fê-lo um líder em torno do qual se uniram a família, “os coronéis” ainda que discretamente e por autodefesa, na constatação de que sua intocabilidade estava desmoralizada, e grande parte do PSD, à frente Etelvino Lins.

Chico era um encantado pelo chefe Agamenon apesar de todas as imensas dificuldades por que passou. (“Fugi a pedido de Maroca (esposa), mas lhe dizendo que iria fazer a primeira covardia de minha vida, eu tava doido para resistir; para trocar bala”), inclusive tendo que correr para o Piauí (uns dizem que de batina), onde, mais tarde, aliado a atividade de venda de couros, tornou-se abastado proprietário de fazendas de babaçu. Enquanto isso para o aliado dos momentos difíceis tinha um julgamento severo:
“Dr. Etelvino acabou com o PSD”. E a censura vinha sempre com uma palavra de respeito a Cordeiro de Farias, que manobrou os “coronéis” como quis, granjeando-lhes a maior simpatia. 

Homem duro, valente, CHICO ROMÃO foi um ídolo da família e a recíproca e verdadeira. Por isso não é de estranhar o amparo que deu a todos e se compreende o grau de horror com que encaram a Dercílio Brito, seu matador. Ultimamente seus dengos estavam concentrados em Marlene, garotinha que criava nesta sua fase mais de avô, ou bisavô, do que pai.

Em frente à casa-grande de Serrita, a segunda esposa do Coronel Chico Romão, Neuma e a filhinha menor Marlene

Laços de parentesco ligaram-no a dois ex-governadores de Pernambuco: um, Cid Sampaio, seu primo; o outro, Miguel Arraes, primo da primeira mulher Maria Maia Arraes (Maroca). Para ela, construiu a casa que leva o nome de Vila Maria, onde viveu toda vida. E ai, também viveu com a segunda esposa D. Neuma, professora no Crato. Chama-se a casa, em todos os arredores, de “O Chalé”. Ali se dirimiram dúvidas, resolveram-se casos difíceis, realmente elegeram-se os candidatos que o eleitorados depois referendava monótona e invariavelmente nas urnas.


Depois do almoço, o “Coronel” Chico Romão, fumava calmamente o seu charuto
Acostumou-se desde cedo, desde quando estudava na “Seleta” e aprendia a reza do fecha-corpo com a preta Joana (reza que não serviu contra o revólver de Dercílio), a comandar – e o fez até o fim – sem admitir restrições. Dai o terem liquidado. Não suportou as cócegas que Dercílio lhe fizera desde o episódio em que dissentiu do PSD para apoiar Cid, o parente udenista e por desavenças sobre o cartório de Serrita que foi colocado em seu lugar à cunhada Nair. E Chico Romão caiu varado de bala, não em Serrita, mas em Salgueiro, cidade maior do sertão e nunca rendida, apesar da vizinhança, aos tentáculos do seu poderio.

O enterro foi impressionante de comparecimento e demonstrações coletivas de dor. Com ele se sepultava o último remanescente daquilo que foi o forte colégio de “CORONÉIS” do cariri cearense, que teve como expoente máximo, Floro Bartolomeu.

Fonte: Revista O Cruzeiro – edição de 25 de julho de 1964
Texto de Marcus Vinícios Vilaça
Fotos de João Rodrigues


















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