BRASÍLIA — O Tribunal de Contas da União (TCU) investiga
suspeita de irregularidades em licitação para a compra de 187,5 mil cisternas
de plástico a um custo de quase R$ 600 milhões — uma das maiores em curso no
governo federal. De acordo com a suspeita do TCU, a concorrência pode ter
favorecido uma multinacional que acaba de abrir fábrica em Petrolina (PE), cidade
do ministro da Integração Nacional, Fernando Bezerra Coelho.
O pregão para a escolha das empresas que vão fornecer as
cisternas em seis estados é conduzido pela Companhia de Desenvolvimento dos
Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf), empresa vinculada ao
Ministério da Integração Nacional. No mês passado, uma medida cautelar do TCU
mandou suspender o pregão e apontou o risco de “grave lesão ao Erário” se as
empresas vencedoras fossem contratadas pela Codevasf.
Entre os participantes está o grupo mexicano Rotoplas, cuja
razão social em território nacional é Dalka do Brasil (o nome fantasia é
Acqualimp). A empresa já é a maior fornecedora do Água para Todos,
programa-chave da gestão do ministro Bezerra e que pretende universalizar o
acesso à água no semi-árido.
Assim que começou a ganhar os principais contratos para
fabricar cisternas, a Acqualimp abriu unidade em Petrolina. A medida
cautelar do TCU não impediu que a empresa começasse a fornecer as primeiras
cisternas ao Ministério da Integração, como parte da licitação posta sob
suspeita.
A Codevasf já foi presidida por Clementino de Souza Coelho,
que é irmão do ministro e chegou ao posto poucos dias após a posse de Bezerra,
em janeiro de 2011. A
presidente Dilma Rousseff demitiu Clementino um ano depois, por suspeita de
direcionamento de políticas do órgão para a base eleitoral da família.
Um edital para o fornecimento de cisternas de plástico pela
mesma Acqualimp, assinado por Clementino, direcionou a maior parte dos
equipamentos para a região de Petrolina, apesar de Pernambuco ser apenas o
terceiro estado em demanda por cisternas, conforme diagnóstico do próprio
governo. O deputado federal Fernando Coelho Filho (PSB-PE), filho do ministro,
disputou e perdeu a eleição para prefeito de Petrolina em 2012.
Para se ter uma idéia do tamanho dessa nova licitação, o
número de cisternas a serem fornecidas é o triplo da quantidade já instalada
pelo ministério desde 2011, ano em que Bezerra chegou ao cargo. Até agora, a
Codevasf instalou 62,1 mil equipamentos, a maioria em Pernambuco. Nos
três novos lotes, as outras 187,5 mil cisternas devem ser distribuídas por
Alagoas, Minas Gerais, Bahia, Piauí, Ceará e Goiás.
O custo individual do equipamento é de R$ 5,9 mil, o que
inclui cisterna de polietileno de 16 mil litros para captar água da chuva;
bomba d’água manual; e obras de instalação. O custo dos reservatórios de
plástico chega a ser duas vezes o de cisternas de cimento, construídas pelas
comunidades locais.
Empresa restringiu concorrência de pregão
A suspensão do pregão de quase R$ 600 milhões foi uma
sugestão da Secretaria de Controle Externo de Aquisições Logísticas (Selog), do
TCU. Depois de analisar documentos fornecidos por Codevasf e Acqualimp, a Selog
concluiu que a empresa vinculada ao Ministério da Integração restringiu a
concorrência ao fazer pregão presencial em Brasília, e não um pregão
eletrônico.
O ministro responsável pelo processo, Benjamin Zymler,
concordou com o entendimento e concedeu a medida cautelar suspendendo o pregão
até a análise do mérito pelo TCU.
“Além de não terem sido apresentadas justificativas
suficientes para comprovar a inviabilidade da realização do pregão em sua forma
eletrônica, a adoção da forma presencial pode ter reduzido a disputa entre os
interessados”, diz o ministro no despacho. Em um dos lotes, apenas três
empresas se interessaram. Nos outros dois, a empresa que deu o melhor lance
acabou desclassificada.
O máximo de economia registrado no pregão, em relação ao
preço inicial de R$ 597,8 milhões estabelecido pela Codevasf, foi de 4%, valor
considerado baixo pelo ministro do TCU.
“A contratação pode acarretar grave lesão ao Erário”,
concluiu Zymler. Ele alertou a Codevasf de que o TCU poderá anular o pregão e
deu prazo de 15 dias para o órgão explicar por que adotou o pregão presencial.
Já as empresas vencedoras de dois lotes, Acqualimp e Consórcio Fortlev, também
terão 15 dias para se manifestarem sobre a acusação de sobrepreço na execução
dos serviços.
O consórcio inicialmente vitorioso em dois lotes do pregão
foi desclassificado a partir de um recurso apresentado por Acqualimp e Fortlev.
Decidiu, então, recorrer ao ministro contra a decisão. A Advocacia Geral da
União entendeu que não cabe ao ministro analisar recurso do tipo e decidiu que
a contestação nem deveria ser aceita. Bezerra seguiu a AGU e não reconheceu o
recurso.
O Ministério da Integração diz ter desclassificado o
primeiro consórcio vencedor porque as empresas participantes dele não tinham
capacidade financeira ou atuam em áreas incompatíveis. “Em nenhum momento o
ministro interferiu na concorrência conduzida pela Codevasf, que ocorreu à luz
da legislação”, afirma o ministério.
A instalação da fábrica da Acqualimp em Petrolina também não
influenciou qualquer resultado, segundo a assessoria da pasta. “As unidades
fabris foram instaladas nos principais centros comerciais, visando
principalmente à facilitação da logística de transporte e distribuição das
cisternas nos principais estados do semi-árido.”
O governo diz que trabalha tanto com cisternas de plástico
quanto com de placa. “Somente com uma tecnologia não seria possível alcançar as
750 mil famílias previstas.” A Codevasf sustenta ter adotado o pregão
presencial em razão da transparência e das “vantagens econômicas” da
modalidade. E aponta economia de R$ 22 milhões na licitação.
A Acqualimp nega irregularidades e diz que as cisternas da
licitação sob suspeita serão produzidas pelas fábricas de Penedo (AL) e Montes
Claros (MG). “A unidade fabril de Petrolina não está prevista para atender a
esses trabalhos em questão”, diz a multinacional. “A empresa já apresentou os
esclarecimentos e não há que se falar em sobrepreço”. O TCU já expediu
documento atestando que as ordens liberadas estão livres para execução e não
serão suspensas.
Fonte:OGLOBO
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