segunda-feira, 18 de novembro de 2013

VAQUEIROS NO BRASIL - OS VAQUEIROS DOS ESPINHOS




O repórter alemão, Manuel Erbenich esteve em Serrita durante o evento da Missa do Vaqueiro no mês de julho passado, onde coletou informações para uma reportagem do Jornal Zeit/Alemanha, sobre a maior manifestação de fé do sertanejo. Sua reportagem contou também com uma rápida entrevista concedida pelo vaqueiro Valírio Luciano de Lucena e Thiago Câncio.

Todos os anos, em julho, os vaqueiros se encontram para a Missa. Eles festejam no sertão seus santos e não fazem questão do progresso. Os gibões, perneiras, guarda- peitos, chapéus, luvas e as botas desses homens são de couro. Como uma segunda pele, os apetrechos cobrem inteiramente o corpo. Eles protegem tais homens do sol ardente e da caatinga, a Selva Branca, como os índios, Tupis chamam a vegetação do sertão, com sua caatinga e seus cactos. Eles são os VAQUEIROS, os cowboys da caatinga do Nordeste brasileiro, o Sertão. Eles transportam rebanhos de gado através da paisagem, que durante a seca quase todas as plantas perdem as suas folhas. Os galhos e ramos dos arbustos secam e mudam de cor, colorindo assim a paisagem com um brilho branco-prateado. Em alguns lugares os arbustos aparentam como se fossem despedaçarem ao sofrer o mais leve toque.

Vaqueiros de Serrita
Espinhos deixam cicatrizes
 
Aqui festeja os vaqueiros, há 43 anos, no fim da terceira semana de julho “A Missa do Vaqueiro”, o maior evento religioso, em Serrita, no interior do Estado de Pernambuco. Trata-se de uma festa em honra ao famoso vaqueiro Raimundo Jacó e considerada por todos como o evento mais importante do ano.

Jacó tinha as mais belas mulheres, foi corajoso e contava as melhores histórias de sua aventura a cavalo. Todos o conheciam na região entre Serrita e Exu no Pernambuco. “Ele foi um destemido e audacioso vaqueiro”. “Enfrentou os maiores e mais agressivos touros na caatinga”, explica Thiago Câncio, historiador e secretário de cultura da cidade de Serrita. Jacó (viveu e desapareceu) nos anos 50.

Existem apenas uns poucos vaqueiros na hostil região, atualmente cerca de 400 vaqueiros. O trabalho deles ainda é basicamente o mesmo: eles tomam conta do gado e gado... Contudo, não existe mais tanto trabalho como antigamente. “Há muito tempo deixou de ser viável no sertão a tradicional criação de gado, por causa das secas no Nordeste, existe muito pouco pasto e muito menos ainda, água”. “O que se tem muito é o risco de perder o gado durante um longo período de seca. Rebanhos que vivem livres na caatinga são raros. Os animais só são mantidos através de pastos bem cuidados, explica VALÍRIO LUCIANO DE LUCENA”, que foi vaqueiro profissional no Nordeste desde os seus 13 anos de idade. Nos tempos de Jacó os vaqueiros ficavam dias e dias com seus cavalos no meio do sertão, acompanhavam os rebanhos, viajavam de um pasto para outro e dormiam ao ar livre. Os rebanhos pertenciam aos fazendeiros ricos e latifundiários. Quantos maiores eram os rebanhos e as terras, tanto mais vaqueiros na fazenda trabalhavam.

Vaqueiro Valírio Luciano de Lucena
Jacó foi um deles, ele trabalhou na fazenda Lajes. Foi em 8 de julho de 1945, quando Jacó, sem explicação, não retornou para a fazenda. De tarde ele saiu a cavalo com o vaqueiro Miguel Lopes para procurar um touro de seu rebanho que havia se perdido no meio da caatinga. Já de tardezinha voltou Miguel Lopes sozinho pra fazenda e contou que ele e Jacó tinham se separado logo no começo do caminho para procurar o touro fugitivo. O dono da fazenda e os vaqueiros ficaram preocupados quando o cavalo de Jacó voltou sozinho. No por do sol eles começaram a procurar Jacó. Um punhado de homens, dos quais o sol curtiu a pele e com o passar dos anos queimou o rosto deles, deixando profundas rugas. O corpo deles era cheio de cicatrizes, pois nem sempre os gibões e as perneiras reforçadas protegiam dos longos e afiados espinhos da caatinga, dos cactos e das quedas sofridas a cavalo.

Eles procuravam desesperados; alguns rezavam. A religião e a fé fazem parte na vida dos vaqueiros do sertão. Eles vivem no perigo. Há frequentemente acidentes, quedas, perigosas caçadas a bois. “Às vezes alguns vaqueiros não voltam mais pra casa à noite”, conta o historiador Thiago Câncio. Por esse motivo, muitos deles confiam seus destinos nas mãos de Deus e de Nossa Senhora Aparecida, a protetora dos vaqueiros.

Um ferimento atrás da cabeça, uma pedra ensangüentada, realmente não houve mais como ajudar Jacó. Ele foi encontrado ao lado de um açude, imóvel sobre o chão e o seu cachorro o protegia contra os urubus. O boi fugitivo estava amarrado no matagal. Na parte inferior da cabeça de Jacó havia um ferimento. Será que Jacó escorregou e caiu enquanto amarrava o touro? O cavalo passou por cima dele? Será que Miguel Lopes, com quem Jacó tinha freqüentes discussões, matou pelas costas? Ninguém sabia a resposta. Ao lado do cadáver os investigadores encontraram apenas uma pedra manchada de sangue, é a única prova que para um ato criminoso apontava. Mesmo assim, eles não acharam pegadas no chão que indicassem uma luta nem pistas de um suposto suspeito. Jacó foi enterrado aonde ele foi encontrado morto.

Parque Estadual João Câncio

Vaqueiro na luta de domar o gado

Essa história até hoje comove os vaqueiros. A maioria está convencida que o corajoso vaqueiro Jacó, foi morto por Miguel Lopes por causa de inveja. Os vaqueiros o veneram mesmo depois de sua morte, por sua coragem, amor e dedicação pelo sertão. Desde o começo dos anos 70 que eles festejam a céu aberto, bem ao lado do túmulo de Jacó, a Missa do Vaqueiro. Na frente do Parque Estadual João Câncio eles se reúnem, um dos homens, abre com os dentes, uma garrafa de cachaça e passa para o outro vaqueiro na roda. E de repente o que era um caos com poeira e rinchos de cavalos, transforma-se em ordem: os vaqueiros se organizam em duas filas e cavalgam lentamente sobre o campo. Na frente da procissão está VICENTE JACÓ, o filho do famoso RAIMUNDO JACÓ. Na mão esquerda as rédeas, a mão direita ele estende para o céu segurando uma pequena imagem azul de um santo: É a padroeira dos vaqueiros, Nossa Senhora Aparecida. Os vaqueiros tocam chocalhos, abóiam e sopram berrantes. O espaço em frente ao altar é destinado para os vaqueiros e na borda da enorme praça em forma de ferradura, milhares de fiéis, turistas e curiosos se aglomeram para assistir a celebração da Santa Missa. O bispo da diocese de Salgueiro, Dom Magnus Henrique Lopes pede a Deus pela sua mão protetora, bençãos para os  Vaqueiros  que assistem tudo atentamente em cima de  seus cavalos.

Histórias como a de Jacó, são até hoje para os vaqueiros do sertão, a fonte de identidade, de orgulho e do amor a Pátria. Os vaqueiros não trabalham para ficarem ricos, mas por prazer a profissão que passa de geração em geração. Um deles diz: “meu bisavô, meu avô e meu pai foram vaqueiros e nunca me interessei pela agricultura, minha vida inteira eu lutei com a natureza a favor do gado...”  E assim, uma vez por ano eles festejam  A MISSA DO VAQUEIRO. 


Repórter Manuel Erbenich


Entrevista concedida ao Jornal Zeit Online - Alemanha em 25 de julho de 2013
Tradução do texto: Isac B. Luciano
Fotos: Manuel Erbenich
Fonte:







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